A Comunicação e Relação Interpessoal com o Deficiente Visual

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A visão é o mais importante canal de relacionamento do indivíduo com o mundo exterior. A cegueira sensorial foi sempre tratada, através dos séculos, com medo, superstição e ignorância. Na Idade Média, chegava-se a considerar a cegueira como um castigo dos céus.

 

Hellen Keller abriu os olhos do mundo para a imensa capacidade e disponibilidade que o deficiente visual tem de ser útil à sociedade e interagir com o meio.

Cabe à sociedade cooperar e dar oportunidade para que esses indivíduos, que têm limitação em seu relacionamento com o mundo, possam desenvolver e usufruir de toda a sua capacidade física e mental.

Pretendemos, com estas informações, esclarecer aos educadores, aos familiares e à sociedade em geral alguns tópicos sobre a deficiência visual, suas capacidades e limitações, ampliando nossos horizontes no relacionamento humano.

1. Considerações Gerais

Não se refira à cegueira como desgraça. Ela pode ser assim encarada logo após a perda da visão, mas a orientação adequada, a educação especial, a reabilitação e a profissionalização conseguem minimizar os seus efeitos.

A cegueira não é contagiosa, razão pela qual cumprimente seu vizinho, conhecido ou amigo cego, identificando-se, pois ele não o enxerga.

A cegueira não restringe o relacionamento com as pessoas nem com o meio ambiente, desde que as pessoas com as quais o cego conviva não lhe omitam ou encubram fatos e acontecimentos, o que lhe trará muita insegurança ao constatar que foi enganado.

O cego não enxerga a expressão fisionômica e os gestos das pessoas. Por este motivo fale sobre seus sentimentos e emoções, para que haja um bom relacionamento.

Não trate a pessoa como um ser diferente porque ela não pode enxergar. Saiba que ela está sempre interessada nos acontecimentos, nas notícias, nas novidades, na VIDA.

O cego não tem a visão das imagens que se sucedem na TV, no cinema, no teatro. Quando ele perguntar, descreva a cena, a ação e não os ruídos e diálogos pois estes ele escuta muito bem.

O cego organiza seu dinheiro com o auxílio de alguém de sua confiança, que enxerga.

Aqueles que aproximam o dinheiro do rosto são pessoas com visão subnormal, que assim conseguem identificá-lo.

Não generalize aspectos positivos ou negativos de uma pessoa cega que você conheça, estendendo-os a outros cegos. Não se esqueça de que a natureza dotou a todos os seres de diferenças individuais mais ou menos acentuadas. O que os cegos têm em comum é a cegueira, porque cada um tem sua própria maneira de ser.

Procure não limitar as pessoas cegas mais do que a própria cegueira o faz, impedindo-as de realizar o que elas sabem, e devem fazer sozinhas.

Ao se dirigir a uma pessoa cega chame-a pelo seu nome. Chamá-la de cego ou ceguinho é falta elementar de educação podendo mesmo constituir ofensa chamar-se alguém pela palavra designativa de sua deficiência física, moral ou intelectual.

A pessoa cega não necessita de piedade e sim de compreensão, oportunidade, valorização e respeito como qualquer pessoa. Mostrar-lhe exagerada solidariedade não a ajuda em nada.

A pessoa cega, pelo fato de não ver, não significa que não ouça bem. Não fale com a pessoa cega como se ela fosse surda. Ao procurar saber o que ela deseja, pergunte a ela e não a seu acompanhante.

O cego tem condições de consultar o relógio (adaptado) , discar o telefone ou assinar o nome, não havendo motivo para que se exclame \\"maravilhoso\\", \\"extraordinário\\".

A pessoa cega não dispõe de \\"sexto sentido\\", nem de \\"compensação da natureza\\". Isto são conceitos errôneos. O que há na pessoa cega é simples desenvolvimento de recursos latentes que existe em todas as pessoas.

Conversando sobre a cegueira com quem não vê use a palavra cego sem rodeios, sem precisar modificar a linguagem para evitar a palavra ver e substituí-la por ouvir.

Ao ajudar a pessoa cega a sentar-se, basta pôr-lhe a mão no espaldar ou no braço da cadeira, que isto indicará sua posição, sem necessidade de segurá-lo pelos braços ou rodar com ele ou puxá-lo para a cadeira.

Cuide para não deixar nada no caminho por onde uma pessoa cega costuma passar.

Ao entrar no recinto ou dele sair, onde haja uma pessoa cega, fale para anunciar sua presença e identificar-se.

Quando estiver conversando com uma pessoa cega, necessitando afastar-se, comunique-o. Com isso você evitará a desagradável situação de deixá-la falando sozinha, chamando a atenção dos outros sobre si.

Ao encontrar-se com uma pessoa cega, ou despedir-se dela, aperte-lhe a mão. O aperto de mão cordial substitui para ela o sorriso amável.

Ao encontrar um cego que você conhece vá logo dizendo-lhe quem é, cumprimentando-o. Colocações como \\"sabe quem sou eu?\\"... \\"Veja se adivinha quem está aqui...\\" não vá dizer que não está me conhecendo ...\\" Só o faça se tiver realmente muita intimidade com ele.

Apresente seu visitante cego a todas as pessoas presentes. Assim precedendo você facilitará a integração dele ao grupo.

Ao notar qualquer incorreção no vestuário de uma pessoa cega comunique-lhe, para que ela não se veja na situação desagradável de suscitar a piedade alheia.

Muitos cegos têm o hábito de ligar a luz, em casa ou no escritório. Isso lhe permite acender a luz para os outros e, não raro, ela própria prefere trabalhar com luz. Os que enxergam pouco (visão subnormal) beneficiam-se com o uso da luz.

Ao dirigir-se ao cego para orientá-lo quanto ao ambiente, diga-lhe: a sua direita, a sua esquerda, para trás, para frente para cima ou para baixo. Termos como aqui ou ali não lhe servem de referência.

Encaminhe bebês, crianças, adolescentes ou adultos deficientes visuais, que não receberam atendimento especializado, aos serviços de Educação Especial.

O uso de óculos escuro para os cegos tem duas finalidades: de proteção do globo ocular e estética quando ele próprio preferir.

Quando se dispuser a ler para uma pessoa cega, jornal, revista, etc., pergunte a ela o que deseja ser lido.

2. Na Residência

Mudanças de móveis constantes prejudicam a orientação e locomoção do cego. Ao necessitar fazê-lo, comunique-o para que ele se reorganize.

Pequenos cuidados facilitarão a vida do deficiente visual. Assim, as portas deverão ficar fechadas ou totalmente abertas. Portas entreabertas favorecem que o mesmo se bata. Portinhas de armários aéreos bem como gavetas deverão estar sempre fechadas; cadeiras fora do lugar e pisos engordurados e escorregadios são perigosos.

Os objetos de uso comum deverão ficar sempre no mesmo lugar, evitando assim cada vez que o cego necessite de um objeto, (tesoura, pente, lixeira, etc.), tenha que perguntar onde se encontram.

Os objetos pessoais do cego devem ser mantidos onde ele os colocou, pois assim saberá encontrá-los.

Na refeição, diga ao cego o que tem para comer e quando houver várias pessoas à mesa pergunte a ele, pelo seu nome, o que ele deseja.

O prato pode ser pensado como se fosse um relógio e a comida distribuída segundo as horas. Assim, nas 12:00 horas, que fica para o centro da mesa, será colocado, por exemplo, o feijão. Nas 3:00 horas, à direita do prato, o arroz, nas 6:00 horas, próximo ao peito do cego, a carne, facilitando assim ser cortada por ele, e às 09:OO horas, à esquerda do prato, a salada. Prato cheio complica a vida de qualquer pessoa.

O cego tem condições de usar garfo e faca, bem como pratos raso, podendo sozinho cortar a carne em seu prato. Firmando a carne com o garfo, com a faca situa o tamanho da carne e o pedaço a ser cortado.

Ao servir qualquer bebida não encha em demasia o copo ou a xícara, alcançando-os na mão do cego para que ele possa situar-se quanto a sua localização.

Não fique preocupado em orientar a colher ou garfo da pessoa cega para apanhar a comida no prato. Ela pode falhar algumas vezes, mas acabará por comer tudo. Ser-lhe-á penoso ter a lhe dizer constantemente onde está o alimento.

Pequenas marcações em objetos de utilização do cego poderão ajudá-lo a identificar, por exemplo, sua escova de dentes, sua toalha de banho, as cores das latinhas de pasta de sapatos, cor de roupas, as latas de mantimentos, etc. Estas poderão ser feitas em braile, com esparadrapo, botão, cordão, pontos de costura ou outros.

Objetos quebráveis (copos, garrafas térmicas, vasos de flores, etc.) deixados na beirada de mesas, pias, móveis ou pelo chão constituem perigo para qualquer pessoa e obviamente perigo maior para o cego.

Mostre a seu hóspede cego as principais dependência de sua casa, a fim de que ele aprenda detalhes significativos e a posição relativa dos cômodos, podendo, assim, locomover-se sozinho. Para realizar esta tarefa, devemos colocar o cego de costas para a porta de entrada e dali, com auxílio, ele mesmo fará o reconhecimento à direita à esquerda, como é cada peça e qual é a distribuição dos móveis.

3. Na Rua

Ao encontrar uma pessoa cega na rua, pergunte se ela necessita de ajuda, tal como: atravessar a rua, apanhar táxi ou ônibus, localizar e entrar em uma loja, etc.

Ofereça auxilio à pessoa cega que esteja querendo atravessar a rua ou tomar condução. Embora seu oferecimento possa ser recusado, ou mal recebido, por algumas delas, esteja certo de que a maioria lhe agradecerá o gesto.

O pedestre cego é muito mais observador que os outros. Ele tem meios e modos de saber onde está e para onde vai, sem precisar estar contando os passos. Antes de sair de casa ele faz o que toda pessoa deveria fazer: procura saber bem o caminho a seguir para chegar a seu destino. Na primeira caminhada poderá errar um pouco, mas depois raramente se enganará. Saliências, depressões, quaisquer ruídos e odores característicos, tudo ele observa para sua boa orientação. Nada é sobrenatural.

Em locais desconhecidos, a pessoa cega necessita sempre de orientação, sobretudo para localizar a porta por onde deseja entrar.

Não tenha constrangimento em receber ajuda, admitir colaboração ou aceitar gentilezas por parte de uma pessoa cega. Tenha sempre em mente que solidariedade humana deve ser praticada por todos e que ninguém é tão incapaz que não tenha algo para dar.

Ao guiar a pessoa cega basta deixá-la segurar seu braço que o movimento de seu corpo lhe dará a orientação de que ela precisa. Nas passagens estreitas, tome a frente e deixe-a seguí-lo, com a mão em seu ombro. Nos ônibus e escadas basta pôr-lhe a mão no corrimão.

Quando passear com um cego que já estiver acompanhado não o pegue pelo outro braço, nem lhe fique dando avisos. Deixe-o ser orientado só por quem o estiver guiando.

Ao atravessar um cruzamento guie a pessoa cega em L, que será de maior segurança para você e para ela. Cruzamento em diagonal pode fazê-la perder a orientação.

Para indicar a entrada em um carro faça a pessoa cega tocar com a mão na porta aberta do carro e com a outra mão no batente superior da porta. Avise-o se tem assento na dianteira, em caso de táxi.

Ao bater a porta do automóvel, onde haja uma pessoa cega, certifique-se primeiro de que não vai prender-lhe os dedos. Estes são sua maior riqueza.

Se você encontrar uma pessoa cega tentando fazer compras sozinha em uma loja ou supermercado, ofereça-se para ajudá-la. Para ela é muito difícil saber a exata localização dos produtos, assim como escolher marcas e preços.

Não \\"siga\\" o deficiente visual, pois ele poderá perceber sua presença, perturbando-se e desorientando-se. Oriente sempre que for necessário.

O deficiente visual, geralmente, sabe onde é o terminal de seu ônibus. Quando perguntar por determinada linha é para certificar-se. Em um ponto de ônibus onde passam várias linhas o deficiente visual necessita de seu auxílio para identificar o ônibus que deseja apanhar. Se passar seu ônibus, onde passa só uma linha, o deficiente visual o identificará pelo ruído do motor, abertura de portas, movimento de pessoas subindo e descendo, necessitando sua ajuda apenas para localizar a porta. Em trajetos retos, sem mudança do solo, o cego não pode adivinhar o ponto onde irá descer e precisará de sua colaboração. Em trajetos sinuosos ou que modificam o solo ele faz seu esquema mental e desce em seu ponto, sem precisar de auxílio. Quando você for descer de um ônibus e perceber que uma pessoa cega vai descer no mesmo ponto ofereça sua ajuda. Ela necessitará de sua ajuda para atravessar a rua ou informações sobre algum ponto de refer ência.

Ajude a pessoa cega que pretende subir em um ônibus colocando sua mão na alça externa vertical e ela subirá sozinha, sem necessidade de ser empurrada ou levantada.

Dentro do ônibus não obrigue a sentar-se, deixando à sua escolha. Apenas informe-o onde há lugar colocando sua mão no assento ou no encosto caso ele deseje sentar-se.

Constituem grande perigo para os deficientes visuais os obstáculos existentes nas calçadas tais como lixeiras, carros, motos, andaimes, venezianas abertas para fora, jardineiras, árvores cujos troncos atravessam a calçada, tampas de esgotos abertas, buracos, escadas, etc.

4. No Trabalho

Em função adequada e compatível, o deficiente visual produzirá igual ou mais que as pessoas de visão normal, pois seu potencial de concentração é mais bem utilizado.

Ao ingressar na empresa o deficiente visual, como qualquer outro funcionário deve ser apresentado a todos os demais colegas, chefias e ser orientado quanto à área física (distribuição das salas, máquinas, banheiros, refeitório, outros).

Todo o cidadão tem direitos e deveres iguais frente à sociedade. Dessa forma o deficiente visual deve desempenhar, na íntegra, seu papel enquanto trabalhador cumprindo seus deveres, quanto à pontualidade, assiduidade, responsabilidade, relações humanas, etc.

Se o deficiente visual não corresponder ao que a Empresa espera dele, não generalize os aspectos negativos a todos os deficientes visuais; lembre-se que cada pessoa tem características próprias.

Pelo fato de ter-se tornado deficiente visual o trabalhador ou funcionário não deve ser estimulado a buscar sua aposentadoria, mas a reabilitar-se, podendo continuar na empresa ou habilitar-se em outras funções e outros cargos. Algumas instituições tem como objetivo a reabilitação e reintegração, do deficiente no trabalho, bastando para tanto, contatá-las.

5. Na Escola

Criança com olhos irritados que esfrega as mãos neles, aproxima muito para ler ou escrever, manifesta dores de cabeça, tonturas, sensibilidade excessiva à luz, visão confusa, deve ser encaminhada a um oftalmologista.

Todo deficiente visual, por amparo legal, pode freqüentar escola da rede regular de ensino (público ou particular).

Se a criança enxerga pouco deverá estar na primeira fila, no meio da sala ou com distância suficiente para ler o que esta escrito no quadro, fale o que escrever nele.

A incidência de reflexo solar e, ou luz artificial no quadro negro, devem ser evitadas.

Trate a criança deficiente visual normalmente, sem demonstrar sentimentos de rejeição, subestimação ou superproteção.

Todos podem participar de aulas de Educação Física e Educação Artística. Use o próprio corpo do deficiente visual para orientá-lo.

Trabalhos de pesquisa em livros impressos em tinta podem ser feitos em conjunto com colegas de visão normal.

Conclusão

Por falta de conhecimentos, muitos têm dificuldades no relacionamento com pessoas cegas. Desejam ajudar, mas não sabem como fazê-lo. Bem intencionados, muitos querem ajudar demais e com isto criam dificuldades e sérios embaraços aos cegos. Esperamos que as sugestões ou \\"dicas\\" enumeradas anteriormente possam orientá-lo a relacionar-se com a pessoa deficiente da visão.

\\"Se a metade do dinheiro hoje gasto em curar a cegueira fosse usado em preveni-la, a sociedade ganharia em termos de economia, sem mencionar condições de felicidade para a humanidade.

Que toda criança cega tenha oportunidade de receber educação, e todo adulto cego uma oportunidade para treinamento e trabalho útil.\\"

Texto elaborado por Maria Glória Batista da Mota
Professora Especializada/Área da Deficiência Visual
Secretaria de Educação Especial(SEESP)-Ministério da Educação

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